Busca Matéria:



segunda-feira, 5 de maio de 2008

Drogas, cinema e família pós-moderna

Já fazia algum tempo que eu não blogava, e ninguém, pelo jeito, sentiu a mínima falta, o que deve ter algum significado. Mas, como eu sinto uma falta danada de escrever, aí vai mais um post pro Canal 17:

Primeira página de O Globo de hoje: nas duas fotos à esquerda, uma em cima da outra, vêem-se um rapaz sendo preso acusado de “fazer apologia da maconha”, em uma marcha que acabou não acontecendo no Rio por causa da repressão policial; e, logo abaixo, um grupo estende uma faixa onde se lê: “Marcha em favor da família”. Segundo a legenda, cerca de 200 pessoas participaram da passeata contra as drogas em Copacabana.

Breves comentários: não seria inconstitucional reprimir uma marcha pacífica que está querendo chamar a atenção para o debate sobre as drogas, sobretudo a mudança da legislação sobre elas? Onde fica o nosso sagrado direito de expressão? Em que tipo de democracia vivemos?

Independente de ser a favor ou não da liberação desta ou daquela droga, sou absolutamente a favor da liberdade de expressão. Na passeata da “Família”, havia até um símbolo fascista. Que eles expressem seus pontos de vista, tudo bem, mas causa estranheza o fato de eles não terem sido presos também por “apologia a sentimentos como racismo e anti-semitismo”.

Cá entre nós, a essa altura da Era Cristã, em pleno século XXI, me parece que quem participa de uma “Marcha em favor da família” deveria não ser preso, mas talvez internado em um manicômio. A que família eles se referem? Papai, mamãe, que juram fidelidade e que devem viver felizes para sempre? E mais dois filhinhos que vão fazer o Catecismo e a Primeira Comunhão? Ou eles se referem à profusão de possibilidades familiares que temos hoje? Acho que não...

Estou no avião, voltando de Recife, onde rolou o Cine PE 2008. Aliás, Recife, segundo a chamada de O Globo à página 8, se transformou na capital do evento (Marcha da Maconha) reprimido em quase todas as capitais. Entre 1.500 e 3.000 pessoas participaram da passeata que seguiu pelas ruas do Recife Antigo. Mas, voltando ao Cine PE: quatro filmes apresentados no Festival (que eu me lembre) mostram coincidentemente as configurações, facetas e conflitos das novas famílias do século XXI.

Em um deles, o longa “Simples Mortais”, pai e filho vivem sós em um apartamento em Brasília e, em meio a uma série de questões, conversam, se conhecem, tomam um porre, cantam, tocam e fumam maconha juntos. Enfim, se divertem e brindam o amor fraternal muitas vezes abalado pelas exigências e agruras do dia-a-dia. As seqüências em que os dois estão juntos foram as mais aplaudidas do filme, e os dois atores acabaram conquistando o Troféu Calunga de melhor ator e melhor ator coadjuvante.

O curta que recebeu o Troféu Calunga de melhor curta digital, “Amanda e Monick”, trata de dois travestis que vivem no interior da Paraíba: um deles dá aula de história para alunos que o respeitam e o admiram, mesmo ele indo trabalhar “travestido”. O personagem conta com a aprovação carinhosa do pai, que se orgulha de ter um filho honesto e trabalhador. O outro travesti do curta, aluno do primeiro, vive de fazer programas e engravida uma lésbica, segundo a qual ela (a lésbica) será o pai e ele (o travesti) será a mãe da criança que está por vir. Acho que precisamos rever urgentemente os conceitos de pai e mãe, dos papéis sexuais e de família.

O outro curta, “Café com leite”, gira em torno de um casal homossexual que fica dividido entre uma viagem de lua de mel e a responsabilidade de criar o irmão mais novo (e órfão) de um deles. O menino, super carismático, acaba aceitando a relação dos dois e, em uma cena, diz que está com medo e pede pra dormir entre eles.

Por fim, o último curta “familiar”: “Trópico de Cabra”, um road movie meio Bukovski, meio cinema latino-americano underground, meio “E a sua mãe também”, meio Simone de Beauvoir e Sartre...

Um casal em crise, com 10 anos de casamento, resolve pegar o carro e sair sem destino pelas estradas do interior de São Paulo e de Minas. Ao longo do caminho que não se sabe aonde vai dar, vão acontecendo várias situações capazes de deixar o pessoal da “Marcha em favor da família” de cabelo em pé. A mulher transa com estranhos na cara do marido, enquanto ele reencontra o tesão e realiza suas fantasias com prostitutas sem ter de esconder isso da esposa. Trata-se de uma saga de desencontros e encontros, e de desconstrução do velho ideal de casamento romântico.

Ao contrário do filme “Simples Mortais”, em que os personagens preferem a sublimação à concretização dos desejos “proibidos”, em “Trópico de Cabra”, o niilismo, a amargura ante aos estragos causados pelo tempo e a busca pela felicidade perdida fazem com que os personagens se lancem em uma viagem pelo desconhecido justamente para que eles se reconheçam. Quem é essa mulher? Quem é esse cara? Eles se perguntam. E a gente se pergunta: quem é essa nova família ou esse novo casal pós-moderno?

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei seu post!

Pessoal, essa eu tenho que recomendar, dois sites interessantíssimos: www.meus3desejos.com.br e www.videoflix.com.br.

Abs.

Leonardo Pessanha disse...

Seria legal se as pessoas se identificassem no blog