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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Com alguns meses de atraso...

... estou "republicando" aqui no Canal 17 um artigo do diretor editorial da Revista Imprensa, Rodrigo Manzano:

Sobre blogs e sabonetes

(Publicado em 01/11/2007 no Portal Imprensa)

Sempre desconfiei, íntima e silenciosamente, da legitimidade da expressão "blogueiro profissional". Ela me parecia contraditória - anti-revolucionária, por que não? -, ao articular duas palavras que soavam como água e óleo: "blog" e "profissional". Para mim, blogs eram, mais que ferramentas de comunicação no mundo digital, uma espécie de estilo de vida, uma postura diante do mundo adotada publicamente, à vista de centenas ou milhares ou milhões de usuários da internet. Quase dez anos depois do surgimento e da consolidação dos blogs no Brasil, já me acostumei à expressão e encontrei a perfeita e equilibrada espécie que consegue alcançar o posto de blogueira profissional: Rosana Hermann, do Querido Leitor.

Escrevo sobre a Rosana Hermann por duas razões que me ocorreram nessa semana. A primeira delas é que trombei com a blogueira no arquivo da IMPRENSA. Transitando na história de 20 anos da revista, para preparação de um livro a ser lançado nos próximos meses, encontrei, numa edição empoeirada e já carcomida pelo tempo, uma simpática foto dela nos dias em que entrava no ar o extinto telejornal matutino "Fala Brasil", na Rede Record. Olhei para a foto e percebi o quanto a Rosana daqueles dias era distante, inacessível, uma "estrela de TV", à moda desses nossos dias em que as celebridades protagonizam a vida real como se fosse uma novela das oito. Ninguém poderia supor que alguns anos depois, uma ferramenta simples como um blog fosse transformar Rosana Hermann não na apresentadora de TV famosa, na roteirista do "Pânico" ou na redatora publicitária, mas nela mesma, Rosana Hermann. Daí vinha aquela minha percepção da incompatibilidade entre as palavras "blogueiro" e "profissional". Quem ganha para ser ele mesmo, senão os notáveis.

A Rosana é profissional porque se dedica ao blog com a mesma intensidade com que tem feito, nas últimas décadas, o seu trabalho no campo profissional. Agora, sintomático e interessante é que ela não ganhe dinheiro por isso, apesar da dedicação. O assédio de seus leitores (queridos leitores, aliás) e o compromisso "todo dia, o dia todo" já levaram Rosana até a transmitir, testando equipamentos, procedimentos, conexões e o limite da sua vida particular, uma escova no cabeleireiro. E, pelo menos a mim, não pareceu narcisista. Hoje, ela publica em seu blog que talvez ceda ao convite do UOL para que ela receba um cachê mensal pela publicação de seus posts e, digamos assim, "se profissionalize". Ao compartilhar com os leitores a proposta e a decisão, ela argumenta que "a vida é experimental" e afirma ir para a frente.

Mas tudo isso - o encontro de uma foto dela numa edição antiga da Revista IMPRENSA, o post sobre o convite do UOL - foi coincidência em uma semana em que o Querido Leitor me levou a pensar muito sobre os nossos dias. Muito se fala que os blogs revolucionaram as comunicações, que eles abriram espaço para quem não tinha voz, que revelaram talentos desconhecidos e que são uma arma importante no mercado, hoje. Só que tudo isso revela o quanto se esperam coisas grandes dos blogs. Sobre eles recaem a responsabilidade, digamos, de uma nova queda da Bastilha. Poucos são os blogs que tem a pretensão minimalista de fazer diferença no dia-a-dia dos seus leitores. Eu mesmo nunca tinha tido a experiência que tive nessa semana. Citando um outro blog, Rosana Hermann conta que comprou um sabonete com aroma de lichia no bairro da Liberdade, em São Paulo, onde se concentram as lojas de produtos orientais na capital paulista. Como gosto de lichias e de sabonetes, fui atrás do produto. Comprei, me decepcionei, mas achei a experiência fabulosa, porque não apenas eu o fiz, mas muitos leitores também.

Nessa fase "profissional" que o Querido Leitor tem a frente, eu só espero que os leitores continuem queridos e que ele continue sendo mais "blog" que "profissional", nunca se esquecendo que um sabonete de lichia pode fazer diferença na vida das pessoas. Coisa que os jornais e emissoras de rádio e TV não tem conseguido há algum tempo.

Rodrigo Manzano é Diretor Editorial da IMPRENSA e professor de Jornalismo na graduação e pós-graduação do UniFIAMFAAM, em São Paulo.

http://portalimprensa.uol.com.br/colunistas/colunas/2007/11/01/imprensa105.shtml

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