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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Entrevista: Marcelo Kischinhevsky

Conheci o entrevistado desta semana do Canal 17 na Escola de Comunicação da UFRJ, onde fazíamos algumas matérias em comum e conversávamos direto sobre bandas de rock. Depois que nos formamos, ficamos um bom tempo sem se ver e sem se falar. Eu estava morando em São Paulo, trabalhando em comunicação corporativa, e por conta de conversas (muitas delas por e-mail) sobre bandas de rock, acabei me interessando por uma garota do Rio chamada Fernanda, cujo sobrenome era o mesmo daquele meu amigo da faculdade...

E não era mesmo mera coincidência. Ela me disse que era sobrinha dele, e, àquela altura, nós já estávamos namorando. Lembro que me causou uma certa estranheza quando liguei pro Marcelo e, depois de um bate papo inicial típico de quem está muito tempo sem se falar, disse que estava namorando a “sobrinha” dele...

Mas a escolha do entrevistado não sofreu nenhum tipo de influência familiar. Com uma carreira que mescla 15 anos de redação, vida acadêmica (hoje é professor da PUC-Rio, na disciplina Laboratório de Radiojornalismo), passagem por assessoria de comunicação e livro recém-lançado, Marcelo é um cara que tem tudo para enriquecer a troca de conhecimentos nesse blog. Só ficou faltando perguntar também sobre bandas de rock, mas deixa isso pra outra entrevista ou outro "blogueiro"...

Canal 17: Depois de tanto tempo de redação, como está sendo a adaptação à vida acadêmica? Você já pensava em dar aulas? Era um desejo antigo?

Marcelo: Na verdade, não senti uma transição brusca, porque já dava aulas desde 1995, quando comecei o mestrado em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. Na época, fui apanhado de surpresa: meu ex-colega de graduação Eduardo Refkaleski (por favor cheque a grafia) virou professor e nos esbarramos nos corredores da Praia Vermelha. Ele soube que eu estava como subeditor no Dia e me chamou para dar aulas, porque não havia professores disponíveis, sem ganhar nada. Topei no susto e depois acabei fazendo concurso e passando para uma vaga de professor-substituto. Só que o contrato tinha tempo determinado e não podia ser renovado. Aí tomei gosto, fui chamado para a Estácio e não parei mais de lecionar, embora sempre como uma atividade complementar à minha carreira. Só de 2006 para cá, quando saí do JB, é que investi na migração definitiva para a vida acadêmica. É um prazer enorme o contato com os alunos, ajudar na formação deles. E a PUC-Rio tem um curso espetacular de Comunicação, com toda a infra-estrutura e excelentes professores, muitos deles vindos do mercado. Espero ficar velhinho em sala de aula (rs).

Canal 17: Em um dos últimos posts, falo sobre "sonhos" - como aqueles que temos ao entrarmos na Faculdade de Comunicação e, algum tempo depois, na realidade do mercado de trabalho. A propósito: o que o levou a fazer Jornalismo? O que você sonhava em fazer quando entrou na Faculdade de Jornalismo da UFRJ? Sua carreira se desviou muito do "projeto original"? E hoje, como você se vê daqui a uns cinco anos em termos profissonais? Quais são os seus sonhos hoje?

Marcelo: Meu sonho era ser escritor, como meu avô, Adolpho Kischinhevsky, o primeiro autor a publicar um livro em iídiche no Brasil e que, infelizmente, não tive oportunidade de conhecer, porque morreu muito jovem. Fui muito pragmático nesse sentido: queria escolher uma carreira que levasse a este objetivo, desenvolvesse minha capacidade de produzir textos de qualidade. O jornalismo foi uma escola incrível, me ajudou muito na vida acadêmica e, espero, vai ajudar também quando eu enveredar pela literatura. Hoje, no entanto, meu foco é a carreira universitária, acho que tenho muito a fazer na academia (livros, artigos, pesquisas) antes de pensar em publicar meus romances.

Canal 17: Você vê muitas diferenças entre os estudantes de comunicação da "nossa época" (início da década de 90, quando estudávamos juntos na ECO) e os seus alunos, ou seja, estudantes de comunicação das atuais gerações "digitais"? Eles são meio (ou muito) idealistas como muita gente da "nossa geração"?

Marcelo: Não entro muito nessa onda saudosista, mas percebo uma diferença grande. Peguei a reta final da ditadura militar e o processo de redemocratização. Minha geração, hoje em torno dos 40 anos, foi muito sacrificada pelas crises econômicas dos anos 80 e muita gente sofreu para conseguir ganhar a vida. Muitos foram embora do país, como exilados econômicos, na época do Collor. Da minha turma da ECO, não lembro de ninguém que ficou em redação de jornal, a maioria foi fazer outras coisas. O Ângelo Rossi abriu o Puebla Café, a Jô Galazi virou redatora de programas de humor e por aí vai. A geração atual me parece mais acomodada, por um lado, porque hoje tudo parece mais fácil: para os jovens de classe média e média/alta, a informação está disponível na rede, basta saber o que buscar, todo mundo tem aparelhos digitais portáteis, celular, oportunidades de viajar, estagiar etc. Por outro lado, milhares de estudantes de baixa renda, com muita garra para aprender e ter uma vida melhor do que os pais, estão chegando às universidades, graças às bolsas de estudos pagas pelo MEC. São garotos e garotas com grande capacidade de superação, que poderão redesenhar o nosso mercado de trabalho. Eles incorporam as novas tecnologias com facilidade e fazem uso criativo delas. É uma revolução, que ganha velocidade à medida que cresce o acesso à internet em banda larga e caem os preços de aparelhos eletrônicos.

Canal 17: Como você está encarando as transformações por que estão passando os meios de comunicação no Brasil e no mundo, enfim, os modos como buscamos, recebemos, enviamos e participamos das informações? Você está no time dos que acreditam que os jornais e revistas impressos estão com os dias contados ou acha que eles vão se adaptar aos novos tempos e permanecer como mais uma forma de mídia dentre tantas outras que estão surgindo?

Marcelo: Sempre vai haver leitor para jornais e revistas. Só que o negócio da comunicação está se transformando radicalmente. Não há margem de manobra para quem não considerar as novas tecnologias, a veiculação de conteúdos via internet, a chegada da TV e do rádio digitais. As tiragens dos chamados quality papers vêm caindo, mas há um forte crescimento na oferta de jornais gratuitos, que já respondem por 8% do mercado mundial. É uma novidade a ser considerada: o leitor e o ouvinte está se acostumando a receber informação de qualidade de graça, vai ser difícil manter serviços pagos que não ofereçam um diferencial muito atraente. Mas a maior revolução é a que vem com a chamada web 2.0, que envolve o jornalismo participativo, a possibilidade de qualquer internauta veicular, por conta própria, conteúdos que produz até mesmo em casa. Ainda não entendemos, em toda sua extensão, os impactos destes eventos na nossa vida.

Canal 17: Em sua opinião, de um modo geral, as faculdades de comunicação estão se adequando, em termos curriculares, às transformações na área, tanto em termos tecnológicos quanto em termos de mercado, considerando a explosão do mercado de comunicação corporativa, novas mídias etc? Os alunos estão saindo da faculdade de Comunicação mais preparados para as demandas do mercado de trabalho atual e, ao mesmo tempo, com uma boa bagagem acadêmica?

Marcelo: Algumas faculdades claramente estão preocupadas com esta transição. A PUC acaba de concluir uma importante mudança de grade curricular que pôs fim a uma lógica "monomídia" e implementou atividades multimídia, mesclando jornalismo impresso, TV e rádio no 5º, 6º e 7º períodos. Além disso, está desenvolvendo o Portal, que é uma experiência pioneira em convergência de mídia. Acredito que muitos alunos estão atentos às mudanças do mercado e preparados para surfar nas novas ondas. Mas isso ainda não é uma regra, infelizmente.

Canal 17: Falando um pouco da sua carreira nas redações: qual foi "a" matéria mais marcante da sua vida? Como foi o processo de produção e realização dessa reportagem?

Marcelo: Fiz carreira na chamada cozinha da redação: trabalhei basicamente como redator, subeditor e editor. Mesmo assim, trabalhei em grandes coberturas. A mais marcante certamente foi o 11 de Setembro, que fez o JB inverter toda a ordem das editorias durante duas semanas. Cuidei da parte econômica, expondo o estrago dos ataques terroristas ao mundo financeiro. Uma corretora, a Cantor Fitzgerald, simplesmente acabou. Morreram todos os funcionários da sede. Foi terrível cobrir essa tragédia, ainda mais porque tinha amigos em NY, com os quais não conseguia falar, porque todas as redes telefônicas ficaram sobrecarregadas. Mas a reportagem mais difícil da qual participei foi no Dia: a cobertura de um crime bárbaro, em que as duas vítimas eram dois dos meus melhores amigos, assaltados e assassinados por um policial militar de folga, na Região dos Lagos. Tive muito apoio da redação do jornal. Tenho certeza que as reportagens, ao chamarem a atenção para o caso, impediram que o crime caísse no esquecimento e levaram à prisão desse bandido.

Canal 17: Quanto tempo você ficou no jornalismo econômico? Como foi a experiência? Você acha que o espaço ganho pelo jornalismo econômico nos últimos anos, no Brasil, reflete o amadurecimento do capitalismo no país a partir da "abertura econômica" pós-Collor?

Marcelo: Trabalhei com Economia durante oito anos. Aprendi a gostar do tema, que antes achava árido. Acho que a cobertura econômica é estratégica, mas não pode ser chapa-branca. Aprendi, durante os anos de jornalismo popular, que um jornal deve estar do lado do leitor. Infelizmente, não é o que acontece na grande imprensa hoje, em função dos interesses comerciais dos empresários de comunicação. Sempre que os jornais investirem em serviços e em bom jornalismo investigativo, a resposta dos leitores será imediata.

Canal 17: Como era a sua relação com as assessorias de imprensa? Na sua avaliação, o nível das assessorias de imprensa melhorou nos últimos anos? Da mesma forma, você acha que melhorou a maneira como o jornalista das redações enxerga o papel, a atuação e a importância das assessorias?

Marcelo: Em 99% dos casos, mantive boas relações com as assessorias de imprensa. Acho que é um trabalho que se profissionalizou de forma notável ao longo dos últimos anos. É difícil pensar hoje em jornalismo sem o apoio das assessorias, que são onipresentes, fazendo o meio-de-campo entre repórteres e empresários, executivos, autoridades, artistas, jogadores de futebol etc. Sou do tempo em que havia muito preconceito contra os assessores, mas peguei a fase em que a crise apertou e muitos colegas trocaram as redações pelo "outro lado do balcão". Essa mudança de rumo profissional de gente de peso ajudou a quebrar barreiras. Agora, as assessorias precisam se atualizar e pensar num mercado ditado por uma nova lógica. Cresceu muito a demanda por serviços integrados de comunicação, e muitos clientes estão modificando a orientação no trato com a imprensa, passando a considerar também blogueiros. É preciso estar atento a estas novidades e não ficar sonhando, como muitos ainda fazem, com uma matéria na TV Globo ou na Veja.

Canal 17: Quais seriam, na opinião, os "sete pecados capitais das assessorias de imprensa" que devem ser evitados a todo custo por quem é do ramo e que deseja construir uma boa imagem e um bom relacionamento com os jornalistas?

Marcelo: É difícil sistematizar erros assim. Mas, do meu ponto de vista, depois de 15 anos de redação e de dar aulas em cursos de especialização em comunicação corporativa, considero pecados capitais: mentira (se não pode falar, não invente histórias), desinformação (o assessor precisa ter à mão, pré-apurados, todos os dados básicos de que um jornalista pode precisar) e desinteresse (preguiçosos deveriam escolher outra profissão, nunca a área de comunicação).

Canal 17: Um dos grandes problemas que enfrentamos ao selecionar candidatos a estágio e mesmo a emprego como profissionais em nossa agência de comunicação corporativa é a qualidade dos textos dos candidatos. Por que muitos jornalistas se formam sem saber escrever corretamente, tanto em termos ortográficos, mas sobretudo em termos estruturais? Que dicas você daria para os estudantes de comunicação melhorarem a consistência e a qualidade dos seus textos, seja para poder escrever notícias, reportagens, contra-capa de livros, press-releases ou mesmo para escrever contos, romances e textos para blogs?

Marcelo: Só tem um remédio para melhorar o texto: ler mais. Tem uma garotada que simplesmente não lê livros, só fica pegando fragmentos na internet. Sem leituras consistentes, de qualidade, o repertório lingüístico do estudante fica limitado e ele não vai conseguir produzir nada de bom nível. A solução é: ler, ler, ler. Ler jornais, revistas e romances. Caso contrário, estes meninos e meninas nunca serão jornalistas de verdade.

Currículo de Marcelo Kischinhevsky (por ele mesmo):

Jornalista, 15 anos de redação com passagens pelos principais diários do Rio (Jornal do Brasil, O Dia e O Globo); comecei no O Globo como estagiário de Grande Rio, em 92, depois fui dos Jornais de Bairros, em 93, fui para o Dia, que já se tornava um dos jornais mais vendidos do país, com uma proposta de jornalismo popular de alto nível - lá trabalhei em Cidade e Polícia, mas fiz carreira mesmo nas Edições Regionais (projeto de regionalização, que incluía páginas diárias e suplementos dominicais no jornal que ia pra fora do Rio - chegou a ter simultaneamente edições Baixada, Niterói, Zona Oeste, Barra, Sul Fluminense, Norte/Noroeste Fluminense, Serrana e Região dos Lagos); no Dia, fui de foca a subeditor em um ano, graças ao Plano Real; saí por um breve período, para fazer assessoria de comunicação da Associação dos Funcionários do BNDES, e voltei ao Dia, onde fui redator da primeira página e subeditor; depois, em 98, fui pro JB, trabalhar na Economia, primeiro como redator, e logo depois como editor-assistente; fiquei oito anos no JB, onde na última fase era editor de Economia e titular das colunas Informe Econômico e No Campo dos Negócios; paralelamente, fiz mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura na UFRJ, onde me graduei em jornalismo, e dei aulas na Escola de Comunicação da UFRJ, na Gama Filho e, finalmente, desde o ano passado, na PUC-Rio. Dei também aulas para pós-graduação em Assessoria de Comunicação na Estácio de Sá e em Gestão da Comunicação na Castelo Branco. Hoje, sou professor da PUC-Rio, onde ministro a disciplina Laboratório de Radiojornalismo e trabalho no desenvolvimento do Portal PUC-Rio Digital, que será lançado em abril. E acabo de lançar o livro "O rádio sem onda - Convergência digital e novos desafios na radiodifusão" (Ed. E-Papers).

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